Foi inevitável que eu decidisse fazer uma postagem separada somente pra essa preciosidade! Mesmo porque também se enquadraria na seção "Carro do Leitor"! Até ontem, só conhecia por fotos e sabia que era muito bonita. Mas como já era de se esperar, ao vivo é ainda mais fascinante! E é impressionante como volta e meia aglomerava uma quantidade significativa de gente em volta dela, perguntando e querendo saber do que se trata tamanha raridade. Teve gente perguntando se era Renault, se era holandês, se "Isabella" era realmente o nome do carro... Alguns liam em voz alta os emblemas, cada um com uma pronúncia. Mas era unânime que o estado dele é de zero! Não economizei nas fotos do maior número possível de detalhes:
Lâmpadas charutinho: o cuidado com a originalidade nos detalhes
Acesso às lâmpadas de iluminação da placa traseira
Cinzeiro
Detalhe da manivela do quebra-vento, que é semelhante à do nosso Landau, mas nesse caso o vidro desce, como mostra a imagem.
Ué, cadê o ponteiro do velocímetro? Quebrou?
Motor original 4 cilindros de 1493 cc, bateria 6 volts
Plaqueta "Borgward Bremen"
A Borgward era uma montadora alemã (pelo grupo Borgward eram produzidas quatro marcas: Borgward, Goliath, Hansa e Lloyd), que funcionou desde os primórdios, no final do século retrasado, até o fatídico ano de 1962, quando fechou definitivamente as portas. O modelo Isabella foi produzido a partir de 1954 (a versão perua, "Combi", como a que ilustra esse post, surgiu no ano seguinte) e parou de ser fabricado quando a empresa acabou. Recentemente, os carros da marca são raros de se ver até em seu país de origem. Aqui, os que se tem notícia podem ser contados nos dedos das mãos. Talvez até de uma só. Essa, por exemplo, é a única Isabella Combi restaurada no Brasil. E foi uma restauração criteriosa, como manda o figurino. Totalmente original, tanto pela mecânica (motor 4 cilindros 1500 de 60 hp e câmbio manual de quatro marchas, na coluna), como parte elétrica (6 volts), carroceria e detalhes de acabamento. Até a cor (Fischsilbergrau Metalik, código BW-112) é original. Tudo perfeito.
Pra fechar com chave de ouro, ainda tive o privilégio de, sentado no banco do carona, acompanhar o Sandro, voltando do local do evento até a moradia da classuda perua alemã!
Olha aí a marcação do velocímetro, como um termômetro!
No caminho, conversamos sobre a história dela. Há alguns anos, seu compadre avistou um carro diferente, que lhe chamou a atenção, empoeirado em uma garagem. Dizia que não tinha ideia de que carro era, mas que se tratava de uma caminhonete. Como o Sandro havia acabado de terminar a restauração da Miura Targa, não estava animado em entrar em outra empreitada dessa. Mas, por curiosidade, acabou indo até lá ver o que era, e quando olhou, mal acreditava no que estava diante de seus olhos: a traseira entregava que era nada menos que um Borgward Isabella, na raríssima versão Combi. O coração bateu forte e ficou difícil de não se apaixonar pela perua.
O passo então seria fazer contato com os possíveis donos. Na primeira conversa, mostrou claro interesse pela compra, mas a família parecia irredutível, pois não queria se desfazer do antigo. O proprietário, na época em que faleceu, estava fazendo reparos constantes no carro, que era seu xodó desde que foi comprado (Sandro disse que, realmente, ao abrir a tampa, notou que o carburador estava aberto). Portanto, tinha um grande valor sentimental pra família. Mesmo com alguma persistência, não houve negócio, e o carro permaneceu por ali, imóvel. O papo tinha acabado, mas a esperança do Sandro não. Prova disso é que, alguns meses depois, ao ver um anúncio de um conjunto de calotas cromadas do modelo, na Argentina, não pensou duas vezes em arrematar. O preço que estava sendo pedido era irrisório, e o produto era uma raridade. O primeiro passo já tinha sido dado! Calotas em mãos, "só" faltava o restante do carro!
Eis que, cerca de um ano depois, ele retornou àquela casa e viu que o Borgward, que da outra vez não tinha pontos de oxidação, começou a apresentar evidências de que ia se acabar de ferrugem aos poucos se continuasse ali. Voltou a ter uma conversa com a mulher, que não tinha mudado uma vírgula sequer em relação à sua opinião inicial, e pacientemente colocou as cartas na mesa. Mostrou a situação, apontou e explicou: "Se eu voltar daqui a seis meses, o estado vai ter piorado bastante... E a tendência é só ficar cada vez pior. Você acha que seu marido iria gostar de saber que o xodó dele está nessas condições? Não acha que ficaria muito mais feliz em ver o carro recuperado, brilhando e andando, como sempre foi?" Ela ficou calada por algum tempo, pensativa, e os olhos se encheram de lágrimas. Foi bacana notar que ela se sensibilizou e finalmente caiu em si. Foi como um puxão de orelha necessário que serviu para abrir seus olhos. Eles apertaram as mãos e, depois de alguns dias, com a ciência da família e a ansiedade do Sandro, idas e vindas ao cartório e resolução de burocracias, o almejado clássico já estava nas mãos certas, que o fariam retornar aos seus dias de glória! E, como vocês viram, foi exatamente o que aconteceu! Depois de mais de dois anos de trabalho dedicado, em estado de zero e rodando, a simpática perua torce pescoços de todos os tipos de pessoas e papa prêmios por onde passa. Em 2009, ela foi rodando daqui do Rio até Águas de Lindóia, onde recebeu prêmio de destaque. Parada? Só pra abastecer... ou pra tirar uma foto, talvez:
E aí? Merece ou não todo esse fascínio que eu tenho por ela?
Nova Iguaçu - RJ.